CELSO FERRO 

 

ADVOCACIA E CONSULTORIA ESPECIALIZADA

 

A INTERCEPTAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS NA ERA DIGITAL

 

Na Era Digital as ações de polícia judiciária vêm constantemente se deparando com a defasagem tecnológica, principalmente perante o campo da captação das comunicações telefônicas. Devido ao crescente surgimento de novos aplicativos, de mensagens instantâneas por exemplo, os criminosos têm se aproveitado dessa evolução para garantir a segurança em seus diálogos e estar sempre em vantagem. Desta forma, é necessária uma adequação da legislação e o constante investimento em tecnologias de inteligência, a fim de que possibilite aos órgãos incumbidos da persecução criminal uma melhor capacidade de obtenção das provas digitais.

 

Com muita propriedade, OLIVEIRA (2023)[i] define que a prova digital resulta numa subordinação da própria essência da prova geral. As características específicas da prova digital são a instabilidade, efemeridade, fragilidade, dispersão, complexidade bem como a imaterialidade. Estas características não podem ser definidas como únicas, porque o universo digital está em constante evolução, em que irão certamente surgir outras características.

 

O telefone celular afigura-se como o mais importante meio de comunicação, acesso à informação e a difusão de dados, incluindo textos, imagens, vídeos, áudios etc. Conforme explicam CASTRO, GONÇALVES e SANTOS (2022)[ii] além da função do clássico telefone, os conhecidos smartphones agregam a praticidade da internet, o uso de aplicativos, comunicação por textos, equipamentos, arquivos, imagens, vídeos, sons, grande capacidade de armazenamento e transmissão de dados, em tempo real e ao alcance da mão.

 

A interceptação da comunicação telefônica convencional não mais proporciona uma prova robusta e contundente, que antes da expansão das redes de comunicação de dados e da internet, continha um valor subsidiário implacável e difícil de ser contestada. Temos uma infinidade de formas de comunicação digital, disponíveis para qualquer pessoa e além da capacidade de intervenção durante a investigação criminal. O gradativo desaparecimento da telefonia fixa e móvel tradicional é notório, especialmente, quando analisamos o crescimento dos smartphones dotados de comunicação de dados de alta velocidade, com maior segurança, com criptografia, alto armazenamento, clareza de comunicação e descartável com facilidade.

 

Atualmente, as mais propaladas formas de comunicação são feitas pela utilização de aplicativos de transmissão de dados móveis, sendo os mais comuns o WhatsApp, Telegram, Signal e Messenger que empregam criptografia entre usuário A e B e que só podem ser decifrados por seus interlocutores. A transmissão da comunicação não está submetida ao gerenciamento de uma operadora de telefonia, portando, não há possibilidade de se realizar uma interceptação da comunicação digital em tempo real, e assim, a atuação investigativa fica prejudicada.

 

Conforme esclarece RAMOS (2022)[iii], se as tecnologias são um bem necessário para a vida em sociedade, pela facilidade e rapidez da comunicação, há também o reverso da utilização da tecnologia. Aproveitando-se das características benéficas, surgem as formas delitivas, práticas aprimoradas pela tecnologia facilitando inúmeras ações criminosas, em especial por meio da internet. Muitos crimes velhos cometidos sob novas formas, agora encorpados, com a vantagem da rapidez, anonimato e desterritorialização. Ademais, os criminosos encontram ainda a seu favor, o risco reduzido de serem descobertos durante a prática delituosa, de serem identificados e, consequentemente, julgados pela justiça.

 

Em junho de 1997 a União Europeia, por intermédio do Conselho Europeu de Amsterdã, aprovou um plano de ação contra a criminalidade organizada, e na oportunidade, definiu que “a atividade criminosa organizada é dinâmica por natureza, não necessitando de se circunscrever a estruturas rígidas da lei.” Atualmente, os autores que praticam crimes estão atras de um pequeno computador potente (smartphone), resguardados de mil e uma técnicas para lhe proporcionar o anonimato, inclusive, o lucro instantâneo.

 

Um exemplo de adequação da legislação no Brasil se deu a partir da Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, a qual trouxe avanços e novos meios de obtenção da prova na investigação criminal de organizações criminosas, tais como: a colaboração premiada, a captação ambiental a ação controlada, o acesso a registros e a interceptação de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais, afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal e a infiltração, por policiais, em atividade de investigação. Entretanto, com relação aos métodos e procedimentos, não houve muito avanço, uma vez que tais ações já eram desenvolvidas pelos órgãos de inteligência policial, sendo necessário apenas o seu ajustamento perante a legislação.

 

Nesse contexto, entendemos que novas formas de obtenção de prova, dentre outras, são de imediata regulamentação, como por exemplo: i) a possibilidade de interceptação de massa de dados, ii) a infecção de dispositivos móveis e a intervenção em aparelhos, ii) permitir a captação simultânea de dados, comunicação telefônica e ambiental, iv) a captura e extração automática de logs de tráfego na internet, e v) a localização dinâmica de terminais em tempo real. É importante também a atualização da legislação, de forma que se permita com clareza o uso desses novos recursos, estabeleça os procedimentos e com vistas a se evitar argumentações no processo criminal.

Para finalizar, é importante frisar que qualquer forma de obtenção de provas deve ser validada por meio de uma segura cadeia de custódia. Tal condição consiste na garantia da autenticidade das evidências coletadas e examinadas, assegurando que sejam correspondentes ao caso investigado sem que haja lugar para qualquer tipo de alteração. A cadeia de custódia, é um método especializado que busca assegurar a integridade dos elementos probatórios, evitando as falsificações, edições e/ou supressões, com vistas a evitar o comprometimento e a inclusão de conteúdos que não são verdadeiros

 

[i] OLIVEIRA, Diogo de Castro. Prova Digital: A Apreensão de Correio Eletrónico e Registos de Comunicações de Natureza Semelhante no Decurso da Pesquisa de Dados Informáticos Universidade Lusófona, Lisboa, Portugal. 2023. Disponível em: https://recil.ensinolusofona.pt/bitstream/10437/13850/1/Tese%20Diogo%20Oliveira.pdf. Acesso em: 15 nov. 2023. 

[ii] SANTOS, José Batista dos; GONÇALVES, Eliseu; CASTRO, Clarindo Alves de. A interceptação telefônica na era pós-digital: as implicações legais e operacionais do software pegasus nas atividades de inteligência de segurança pública no cenário brasileiro. Homens do Mato - Revista Científica de Pesquisa em Segurança Pública. Polícia Militar do Mato Grosso. 2022. Disponível em: http://revistacientifica.pm.mt.gov.br/ojs/index.php/semanal/article/view/574. Acesso em 15 nov 2023.

[iii] RAMOS, Armando Dias. O Agente Encoberto Digital - Meios Especiais e Técnicos de Investigação Criminal. Editora Almedina. Lisboa, Portugal. 2022.